O debate sobre o número de deputados no Congresso escancara desigualdades regionais e prioridades equivocadas
O debate sobre o aumento do número de deputados federais no Brasil expõe um grave problema de distorção na representação política, resultando em desigualdades regionais e um sistema político cada vez mais afastado das necessidades reais da população. Para Elias Tavares, autor do artigo e especialista em política, essa discussão é um reflexo de como o Brasil lida com a representatividade de forma equivocada: “O problema não está no número de deputados, mas em como esse número é distribuído. É uma questão de justiça na representação, não de ampliar o custo do Legislativo”.
Atualmente, o Brasil tem 513 deputados federais, um número fixado em 1993, com base nos critérios populacionais da época. No entanto, a Constituição de 1988 determinou que as cadeiras da Câmara dos Deputados deveriam ser distribuídas proporcionalmente à população de cada estado, com um piso mínimo de 8 deputados por estado e um teto máximo de 70. Esse sistema, que deveria garantir a representatividade justa, se tornou defasado. Elias Tavares explica: “Estados como São Paulo, com uma população de 46 milhões de pessoas, deveriam ter mais de 100 deputados se não fosse pelo teto constitucional. Ao mesmo tempo, estados menores como Roraima e Acre, com menos de 1 milhão de habitantes, continuam com 8 deputados, o que distorce qualquer conceito de representatividade proporcional.”
Essa desigualdade é evidenciada quando se compara o peso do voto de eleitores de diferentes estados. Em São Paulo, um deputado representa mais de 650 mil pessoas, enquanto no Acre, esse número cai para cerca de 103 mil. “Esse tipo de distorção compromete a essência da democracia, pois o voto de um paulista vale muito menos do que o de um eleitor de estados menores. O Brasil precisa corrigir essas falhas, e não aumentar ainda mais o número de cadeiras no Congresso”, afirma Tavares.
Com a divulgação dos resultados do Censo 2022, a necessidade de redistribuição das vagas se tornou ainda mais urgente. Estados com crescimento populacional, como Pará e Santa Catarina, têm direito a ampliar suas bancadas, enquanto outros, como Rio de Janeiro e Bahia, precisariam perder representantes. No entanto, ao invés de tomar uma decisão corajosa e justa, muitos líderes políticos preferem aumentar o número de deputados de 513 para 531, uma medida que apenas posterga a solução do problema e aumenta os custos do Congresso.
“A solução proposta não resolve nada. Aumentar o número de deputados só vai inflacionar ainda mais os custos públicos. Hoje, cada deputado custa em média R$ 2,7 milhões por ano aos cofres públicos. Isso significa um aumento de R$ 44 milhões anuais no orçamento, em plena crise fiscal”, destaca Elias Tavares. Ele compara a situação do Brasil com a de outros países, como os Estados Unidos, onde a Câmara dos Representantes tem 435 membros fixos desde 1929, representando cerca de 770 mil habitantes por deputado. “O Brasil já está entre os países com maior número de parlamentares em relação à sua população. A solução para o nosso sistema não é ampliar o número de deputados, mas redistribuir as cadeiras de forma mais justa e eficaz.”
Em 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o Congresso realizasse a redistribuição das vagas até 2025, após uma ação do estado do Pará, que pleiteava maior representatividade em função do seu crescimento populacional. “O STF fez o papel dele, mas é o Congresso que precisa cumprir a sua parte. Infelizmente, o que vemos é uma resistência política, especialmente de estados que seriam prejudicados com a redução de suas representações. A proposta de aumentar o número de deputados, na prática, é uma manobra para garantir privilégios eleitorais de curto prazo”, afirma Tavares.
A verdadeira solução para a crise de representatividade no Brasil, segundo o especialista, está em uma redistribuição periódica e transparente das cadeiras. “A Constituição já prevê isso, e é preciso cumprir o que está estabelecido. Se essa redistribuição for feita de forma justa, poderemos corrigir distorções históricas e garantir uma representação mais proporcional. Isso é um compromisso com a democracia, e não com interesses eleitorais locais.”
Elias Tavares também sugere a discussão de modelos alternativos, como o voto distrital ou misto, que poderiam aproximar a população dos seus representantes. “Esses modelos podem ser uma forma de modernizar e tornar as eleições mais justas, mas para isso é necessário superar a polarização política e a resistência a mudanças que atendem ao interesse público, mas comprometem privilégios históricos.”
Em tempos de crise política e fiscal, o aumento do número de deputados seria, na visão de Tavares, um erro estratégico e simbólico. “O Brasil vive um momento de cobrança por maior transparência e eficiência na gestão pública. Ampliar o número de deputados, sem resolver o problema da representatividade, passaria a mensagem de que o Congresso está mais preocupado com seus próprios interesses do que com as necessidades da população”, alerta.
A conclusão de Tavares é clara: “A crise de representatividade no Brasil não será resolvida com mais cadeiras, mas com mais justiça e compromisso democrático. O Congresso precisa se preocupar em reorganizar suas prioridades, e não em ampliar o tamanho do Legislativo. Mais deputados não significam mais democracia. O que o Brasil precisa é de um sistema político que valorize o peso de cada voto e trate a representatividade como um princípio fundamental da nossa Constituição.”
Portanto, a proposta não é aumentar o número de deputados, mas corrigir as distorções na distribuição das vagas e garantir uma representação mais justa e igualitária para todos os brasileiros. O desafio está lançado: que o Congresso tenha coragem de enfrentar a questão com seriedade e compromisso com o povo brasileiro.