Wesley Espinosa Santana
Em 15 de novembro de 1889, logo pela manhã, no Campo da Aclamação, atual Praça da República, o marechal Deodoro da Fonseca, ex-comandante militar da província de Mato Grosso e amigo do imperador, ordenava que os seus subalternos se enfileirassem em frente ao palácio para pressionar a troca do Ministério. Minutos antes, no Quartel-general, Deodoro ainda esbravejava: “Viva sua majestade, o Imperador!”. Entretanto, um dia antes, ele havia sido abordado por Quintino Bocaiúva, Rui Barbosa e Benjamin Constant – após denúncia-falsa de pedido de sua prisão feita pelo chefe de gabinete imperial, o liberal Visconde de Ouro Preto – e, desta forma, a ideia de que era chegada a hora de mudar o regime político prevaleceu. Assim, com os canhões apontados para o imperador, proclamava-se o golpe de Estado. Em tempos de modernização, onde o refluxo da industrialização inglesa pressionava para conquistar o mercado interno brasileiro a despeito do conservadorismo dos latifundiários e donos de escravos, o positivismo, o abolicionismo e o nacionalismo batiam, também, à porta do palácio imperial. Já se fazia tarde que o Brasil deveria ser uma nação de cidadãos e não mais de súditos e que outros ares seriam bem-vindos, como era denunciado nas caricaturas de Angelo Agostini e Rafael Bordalo, que consolidavam na antípoda simbologia do cetro e da coroa o arcaico regime sob a égide do “monarca itinerante”.
Segundo Gilberto Freyre, era chegado o momento da troca da “coroa pela cartola”. Para o jornalista e político Aristides Lobo, o povo via a tudo bestializado, ou seja, alheio ao acontecimento e, para além, o francês Louis Couty dizia que o “Brasil não tem povo”. Esse povo, maioria de analfabetos, formado por ex-escravos e escravos, desalentados, trabalhadores livres, funcionários públicos, comerciantes, autônomos, portugueses e brasileiros, era a grande massa de plebeus na corte de Dom Pedro II. A elite política e econômica do país, como também, a elite intelectual, estavam pagando para ver como as linhas de força dariam o start da mudança. Uma mudança, sociologicamente, milimétrica.
Desde o processo de independência, que ocorreu em vários lugares do Brasil, discutia-se a ideia da permanência dos portugueses no governo que então se emancipava. Os moldes europeus da formação do Estado-Nação chegavam às Terras brasilis e as combinações de interesses entre nobrezas e burguesias, de lá e de cá, se concretizavam. Tanto a independência quanto a proclamação foram uma intervenção político-civil-militar que teve um epicentro e que, depois, espalhou-se, dissipando-se pelas províncias do território e desencadeando momentos de muita violência entre o povo e o braço armado do Estado, como na batalha de Jenipapo (1823), no Piauí, ou os movimentos messiânicos de Antônio Conselheiro (1897) e de José Maria (1912) e a Revolta da Chibata (1910). A independência e a proclamação foram movimentos de cima para baixo, sob a batuta de classes dominantes que nunca envolveu o povo e nem se buscou a garantia do direito à vida, da liberdade e da igualdade em todas as classes sociais.
Neste processo, o nacionalismo amplificou-se na postura positivista e na proposta de desenvolvimento industrial. Passaríamos da solidariedade orgânica à mecânica, com ordem e progresso. Os símbolos nacionais acompanhavam a intenção de se criar o cidadão brasileiro. Com o golpe proclamado, vinha a iminência de se consolidar o Brasil como periferia do capitalismo, de forma a organizar a produção e o consumo, gerando uma horda de trabalhadores assalariados e desenvolvendo o que lhe cabia como indústria e como consumidor dos interesses dos países centrais. Os interesses internos e externos marcaram a nossa permanência como sociedade dos privilégios.
E o povo? O povo estava lá! Esperando, lutando e sobrevivendo sob a poeira dos cavalos republicanos e dos canhões alinhados. Não sabemos se, realmente, bestializados, pois a ideia de passividade faz menção ao que permanece como leitura equivocada. A imigração promoveu a gênese de uma classe média que não queria mais ser povo, mas, permanentemente, movida pela lógica capitalista que a promovia como diferente. A continuidade da dependência econômica do Brasil não se traduziu em emancipação. O povo não é inerte, mas esquecido, e a independência e a proclamação permanecem em processo. Devemos nos conscientizar de que essa emancipação não virá de cima para baixo, de gritos e proclamações, de golpes militares ou de representantes do Estado, mas sim, de todos nós como povo, como nação e como sociedade organizada. Independência ou Morte ou Viva a República referem-se a datas importantes de nossa História, porém esses gritos na memória precisam ser transformados em práxis no permanente processo revolucionário.
Wesley Espinosa Santana é professor de História da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).
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