1. Como está o mercado para mulheres no cinema?
Depende em que área, desde os anos 30 o audiovisual sempre foi muito mais desafiador para mulheres – no começo não: o desenvolvimento do cinema foi muito calcado na força de trabalho feminina, na área criativa inclusive (sugiro o excelente documentário “E a Mulher criou Hollywood” das irmãs francesas Clara Kuperberg e Julia Kuperberg); mas voltando à resposta as novas tecnologias vêm ampliando de maneira exponencial nossa participação em muitas áreas em que não poderíamos participar, como por exemplo fotografia, os equipamentos mais leves e acesso ao uso deles (na internet há muito material pra quem quer ser diretora de fotografia, antes se aprendia com um mentor – geralmente um homem, que preferia na maior parte das vezes, um pupilo homem) e também a necessidade de serem mostradas narrativas mais alinhadas aos tempos em que vivemos – não queremos mais ser apenas a namorada do herói, somos e queremos ser retratadas também como heroínas das produções. Agora precisa ser “verdadeiro” não soluções cosméticas como Capitã Marvel, queremos mais mulheres como Sarah Connor nesses casos, ou não, mulheres reais com narrativas com as quais meninas, mulheres, sejam elas mães, avós, trans – queremos narrativas que agreguem. E pra isso acontecer é preciso que nos bastidores existam essas mulheres co-criando juntas (entre elas e com os homens, sempre bom lembrar) tudo isso. O mercado tende a absorver o que o público quer – é um pouco mais lento do que gostaríamos, é verdade – mas temos visto muitas iniciativas no cinema comercial respondendo ao desejo das mulheres, de buscarem (e consumirem) mais narrativas com as quais se identifiquem.
2. Quais são os novos caminhos para os novos cineastas?
Os novos caminhos passam pelos antigos, que na minha percepção é buscar referência – eu bato sempre nessa tecla em sala de aula. Não dá pra você ir buscar uma chance numa produtora sem fazer sua lição de casa, que é saber sobre quem você está se aproximando, quais os filmes/produtos que eles lançaram, quem faz parte do casting de diretores, quais os valores dos produtos que eles produzem… Isso precisa estar alinhado ao que esse realizador busca, o ponto de contato é mais fácil. E produzir. Fazer portfólio de maneira “amadora” mesmo que isso não traga um retorno comercial num primeiro momento, mobilizar pessoas pra assistirem suas narrativas e criar uma identidade própria. Curtas metragens, um teaser, dirigir uma cena, escrever um roteiro e colocar isso no mundo – além é claro, de saber o que se passa no quintal de casa. Você pode ter um sonho de ir trabalhar fora do Brasil, mas seus primeiros projetos serão feitos aqui – salvo raras exceções: consumir cinema nacional, séries, estar atento porque tem muita coisa boa sendo feita. Seguir seus realizadores favoritos, seus ídolos inclusive, nas redes e ficar atento ao que está sendo feito, dentro e fora das bolhas.
3. Como é o mercado para a mulher no cinema no Brasil e exterior? Tem diferenças?
Tem sim, mas como disse, é árduo. Como no exterior (falando em termos de EUA) tem uma indústria mais estabelecida, a força feminina acaba sendo mais bem aceita. O Brasil ainda é um lugar de grandes abismos e o trabalho fica precarizado em várias esferas, então uma mãe não consegue trabalhar com audiovisual sem uma boa rede de apoio, o que passa por escolas em horários estendidos – é difícil pois é uma área que exige uma dedicação muito grande – ou uma estudante de cinema que está fazendo seu primeiro estágio não é dócil e aceita “brincadeiras” dos chefes, também pode ser vista como difícil. Também recomendo o fabuloso documentário Miss Representation, da Jennifer Siebel Newsom
O maravilhoso é que com a democratização e acessos que temos, fica mais fácil “achar sua turma” e se inserir onde o fato de sermos mulheres é um elemento gregário. Agora diferenças existem, até porque a sociedade brasileira é diferente da europeia, norte-americana, mexicana… Há nuances e particularidades – agora, se o objetivo é ir fazer cinema fora (não julgo, fomos moldados por narrativas que vieram sempre de fora), a internet também pode ajudar a se conectar – fazer um curso de curta duração numa escola especializada pode ser uma boa porta de entrada pra entender essas particularidades que mencionei e claro, fazer contatos profissionais.
4. Os cineastas estão obtendo serviços em marketing e internet? Ex: em filmes publicitários
Isso sempre aconteceu e sempre vai acontecer, como disse a internet abriu tantas possibilidades… A O2 e a Conspiração – duas gigantes no audiovisual brasileiro, fazem filmes, séries, programas de televisão, lindos e relevantes, mas sobrevivem de publicidade – e isso não é um demérito, pelo contrário. Veja o caso do Michel Gondry, diretor francês – ele começou no cinema por um comercial da Levis (procurem, vale cada segundo) e depois de ter feito muitas coisas, a Apple o convidou pra fazer um filme usando o iphone 7 (isso num longínquo 2017) e é bom – então ele foi “usado” pra dar uma credibilidade pra um produto que ninguém assumia que usava pra fazer “filmes sérios”. O capitalismo vai sempre se moldar e fazer o necessário pra se manter relevante, e o zeitgeist agora é esse, uma fabulosa transmidia – então sim, cada vez mais vamos ver esse jogo. Isso cria uma instabilidade? Sim, mas ao mesmo tempo traz uma novidade interessante pro nosso mercado, uma necessidade contínua de inovação.
Flávia Stawski
Mestre em Semiótica pela PUC/SP, bacharel em Rádio e Tv pela Cásper Líbero e Artes Cênicas pela UFPR. Percorreu diversas áreas dentro do audiovisual, de produção até edição de imagens, onde se especializou e desenvolveu carreira sólida atuando nas principais emissoras de tv do Brasil. Professora da ESPM desde 2011, primeiro no curso de Design e logo depois no de Cinema e Audiovisual. Na área acadêmica tem como principais motivadores a questão da construção da imagem “real” através da montagem; com particular interesse pelas questões de gênero e inserção das mulheres dentro do mercado audiovisual – frente às câmeras e principalmente, nos bastidores.
E o instagram : @profeflaviastawski