Por Nichollas Alem
Muitos prestadores de serviço no mercado audiovisual reparam que alguns modelos de contrato não trazem a previsão de multa, juros e correção monetária caso a produtora contratante atrase o pagamento. Nesse artigo, queremos explicar brevemente o motivo disso.
Se a obra audiovisual é produzida com recursos públicos, há uma previsão na Instrução Normativa 159/21 da ANCINE que diz o seguinte: “Art. 18. Serão consideradas irregulares e efetivamente glosadas, independentemente das características do projeto a elas vinculadas, as seguintes hipóteses: VII – pagamento de juros e multas de qualquer natureza; IOC, IOF, tarifas bancárias de qualquer natureza e encargos contratuais, mesmo que decorrentes de atraso no depósito de parcela do investidor, com exceção de tributos e encargos pagos sobre os rendimentos das aplicações financeiras e fechamento de contratos de câmbio;“. Isso significa que a produtora não pode usar os recursos públicos captados para pagar multas e demais encargos previstos no contrato. Em outras palavras, não caberia ao erário custear um gasto decorrente de uma falha da produtora.
De outro lado, se a obra é produzida com recursos privados em regime de encomenda, ou seja, custeada por um canal ou plataforma de streaming, por exemplo, o financiador costuma colocar uma previsão no contrato que também impede o pagamento de multa e encargos pela produtora. Afinal, esse financiador não quer que seu recurso seja gasto por um inadimplemento contratual da produtora. Além disso, é muito comum que estes agentes financiadores que estejam encomendando a obra forneçam ou aprovem o minutário (conjunto de modelos de contratos). Essas minutas da produção não devem ser alteradas pela produtora e, em boa parte dos casos, são omissas sobre o atraso no pagamento.
Entretanto, nas duas hipóteses, é verdade que a produtora poderia em tese custear a multa e encargos de seu próprio caixa – sem apresentar esses valores na prestação de contas para o poder público ou financiador privado. Vale ponderar que a incidência da multa e encargos decorre da leitura do próprio Código Civil ainda que esses não estejam previstos expressamente em contrato, sobretudo no caso dos juros e correção que apenas “reparam” a perda de valor da remuneração no atraso (observadas algumas divergências doutrinárias e jurisprudenciais).
Ao mesmo tempo, também é forçoso reconhecer que muitas produtoras trabalham com orçamentos apertados e nem sempre terão disponibilidade de caixa para honrar eventual multa, juros ou correção eventualmente arbitrados pelo judiciário. Por esse motivo, o ideal e mais seguro para todas as partes, seria sempre prever os parâmetros de cálculo na hipótese de atraso, inclusive, eventuais situações que não configuram inadimplemento da produtora por circunstâncias que estão fora de seu controle ou responsabildiade.
Nichollas Alem é Fundador e Presidente do Instituto de Direito, Economia Criativa e Artes – IDEA; advogado atuante nas áreas de Direito do Entretenimento e Direito da Inovação Tecnológica; mestre em Direito Econômico pela USP; consultor da UNESCO em equipamentos culturais e membro da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual.