Luciana Marques Coutinho
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Sou procuradora do Ministério Público do Trabalho e integro juntamente com meus colegas Geraldo Emediato, Aurélio Agostinho, Ana Cláudia Gomes e Sônia Toledo, um grupo de trabalho que foi criado com o propósito de atuar em desfavor da Vale S/A, diante dos danos individuais homogêneos, coletivos e difusos trabalhistas, ocasionados pelo rompimento da Mina do Córrego Feijão, em Brumadinho.
Foram 272 vidas ceifadas pela tragédia ocorrida no interior da Mina da Vale, a maioria eram trabalhadores e trabalhadoras que estavam, no momento da ocorrência, trabalhando, cumprindo seus contratos de trabalho com a empresa Vale. Por isso, esta tragédia é considerada o maior, o mais grave, o mais trágico acidente de trabalho já ocorrido no Brasil.
E chamamos de acidente a tragédia da Mina do Córrego Feijão porque este é o termo técnico, jurídico, utilizado para este caso, já que a maioria das vítimas foram trabalhadores. Todavia, todos sabemos que não foi um acidente, no sentido lato, comum da palavra. A acidente remete a algo fortuito, inesperado e neste caso foi tragédia anunciada. Anunciada porque se comprovou a negligência da empresa com cautelas que deveriam ter sido adotadas para evitar acidentes de trabalho e não foram.
O grupo de trabalho a que pertenço no Ministério Público do Trabalho atuou e atua na ação civil pública movida contra a Vale S/A, juntamente com 13 Sindicatos Representantes dos Trabalhadores da Categorias envolvidas, com a Defensoria Pública da União e com participação ativa, muito presente, dos familiares das vítimas da tragédia e dos trabalhadores sobreviventes.
Esta ação coletiva deu ensejo ao pagamento pela Vale S/A de uma indenização de caráter coletivo e foi constituído um Comitê Gestor destes recursos, formado pela Justiça do Trabalho, o MPT (representado pelo GEAF), a DPU e a AVABRUM — Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos da Tragédia do Rompimento da Barragem Minas Córrego Feijão Brumadinho.
Este valor, estes recursos têm sido destinados a investimentos e iniciativas sociais que são submetidos e analisados pelo Comitê Gestor e os projetos têm a finalidade de gerar benefícios para sociedade, sobretudo para as localidades diretamente atingidas pela tragédia.
O projeto Legado de Brumadinho, capitaneado pela AVABRUM, e implementado pela SABIC é uma destas iniciativas sociais apoiadas com estes recursos e é um dos projetos que mais reflete o objetivo da reparação coletiva, pois foi gerado a partir do sonho acalentado pelas vítimas, reunidas na AVABRUM.
Como consta no próprio projeto do Legado, o objetivo é construir a partir da destruição, reverenciando a memória das vítimas e os fatos, para que não sejam jamais esquecidos e para que desta tragédia venham caminhos de prevenção, de respeito a saúde e a segurança no trabalho, como valor que não pode ser flexibilizado, por nada nem por ninguém, empresa, Poder Público, Governo.
Esta atuação do GEAF e o Comitê Gestor dos recursos tem sido uma atuação colaborativa, horizontal, bastante desafiadora, mas ao mesmo tempo muito gratificante, sobretudo pelo alento que cada projeto social importante aprovado e desenvolvido ocasiona em benefícios sociais. Isso aquece o coração.
Porém, sabemos que o valor pago pela Vale S/A no processo coletivo da ação civil pública e nos processos individuais que já tramitaram e ainda correm na Justiça do Trabalho ou outros valores que também já foram e ainda poderão ser impostos à empresa na Justiça Cível e na Criminal, não representam nem longe pagamento ou a reparação pelos danos que foram causados pela empresa. O dano é colossal, pois vidas foram perdidas, famílias foram destruídas, casas, a cidade, o modo de viver das comunidades foi para sempre impactado.
E o dano é dinâmico, não é estanque, continua a atingir aqueles que diretamente sofreram na pele os impactos e todos nós, como cidadãos e cidadãs que nos sentimos vilipendiados e ultrajados, pela tragédia. E este dano, os prejuízos, vão reverberar por anos, para sempre, pois trajetórias de vida de pessoas e comunidades foram rompidas e alteradas.
É por isso que vigilância e a atuação de todos nós, cada um e cada uma de nós, não acabou, segue e a construção de redes de indignação e esperança, é imprescindível.
É necessário mesmo manter a chama de indignação permanente, para não esmorecer, pois vivemos em um país em que as tragédias sociais ocorrem todo tempo e a todo minuto.
Não podemos achar que esta é a normalidade ou deixar nos abater de tristeza e frustração. É preciso encontrar formas de resistência para não aquietar ou resignar.
Também é preciso esperançar, isso no sentido cunhado por Paulo Freire e, portanto, não no sentido de esperar que tudo se resolva por si só, mas esperançar na ação, não perdendo nunca o brilho e a gana, buscando a transformação.
E a indignação e a esperança precisam ocorrer em rede, redes de proteção e atuação social, buscando nos conectar, nos reunir, cada um com suas atribuições, suas expertises, seus conhecimentos, mas todos buscando caminhos de convergência e transformação social para o bem comum.
Luciana Marques Coutinho é procuradora do Ministério Público do Trabalho em Belo Horizonte. Discurso proferido durante o seminário Redes de Indignação e Esperança, em 7 de maio, em Brumadinho.
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