No Dia Internacional da Mulher, as professoras e pesquisadoras Adriana Valio, Cecília de Carvalho Castro Silva e Maria Helena Moura Neves falam sobre desigualdade de gênero
No ano de 1975, a Organização das Nações Unidas (ONU) oficializou o dia 08 de março como o Dia Internacional da Mulher para celebrar a luta histórica das mulheres pela igualdade de gênero, mas tais reivindicações tiveram início bem antes. No ano de 1909, por exemplo, aproximadamente 15 mil mulheres marcharam por melhores condições trabalhistas na cidade de Nova York, nos EUA.
Mais de cem anos depois, mulheres ainda enfrentam assédio, violência, desigualdade salarial, machismo e misoginia enraizados em toda a sociedade. O mês de março é um símbolo de agradecimento às conquistas de antigamente, mas também um lembrete de que há muito a se conquistar.
Se formos analisar a área da Ciência e Pesquisa, segundo dados publicados no site do Governo Brasileiro, o número de mulheres com bolsas de iniciação científica, mestrado e doutorado são superiores ao dos homens, mas elas representam apenas 33% do total de bolsistas de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
A discrepância não é exclusiva e, apesar de ser maior nas áreas de Ciências Exatas, Engenharias e Computação – tendo em vista que os homens assinam 75% dos artigos referentes a Computação e Matemática -, também afeta outras. Uma boa notícia, entre as dificuldades enfrentadas, é a mudança no cenário da Academia Brasileira de Ciências que, em 2020, era composta por apenas 14% de mulheres cientistas. Neste ano de 2022, pela primeira vez, as mulheres são maioria: de 13 membros, 8 são do sexo feminino.
Para a professora da Escola de Engenharia (EE) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), e pesquisadora do MackGraphe, Cecília de Carvalho Castro Silva, a luta contra a sub-representação das mulheres na Ciência baseia-se na construção de uma ampla frente de ações, mas não só liderada pelas mulheres. “A implementação de políticas públicas para apoiar igualmente mulheres cientistas nas universidades e institutos de pesquisa é muito importante”, defende, além de destacar o papel da comunidade científica em discutir essa realidade e propor ações que possam ser implementadas no local de trabalho.
“Como cientista latino-americana, acredito que devemos buscar uma mudança de mentalidade de nossas sociedades e ter uma educação de qualidade acessível a todos. A educação é a base para alcançar a igualdade na sociedade. Além disso, a família tem um papel muito importante, apoiando meninas e mulheres na Ciência, para que elas consigam se desenvolver plenamente como cientistas”, diz a professora da EE.
A coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências e Aplicações Geoespaciais da UPM, professora Adriana Valio, também aponta a disparidade no setor. “É imprescindível uma maior representatividade nas Ciências, não só de mulheres, mas de todas as minorias. A diversidade, um olhar diferente, só tem a contribuir para a solução de problemas”, afirma ela, que também colocou enfoque na sub-representação das mulheres na Ciência, principalmente em cargos de gestão e tomada de decisão.
Maria Helena de Moura Neves, professora do Centro de Comunicação e Letras (CCL) da UPM e vencedora do Prêmio Ester Sabino 2022 na categoria Pesquisadora Sênior, defende que o caminho para maior representatividade de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos é a educação e, então, a ação tem de se centrar nesse campo. “E, se está entendido que a cada mulher cabe uma ‘luta’ nesse sentido, também se terá de demonstrar quais os impedimentos a ser removidos, que com certeza existirão, mas a tarefa de bani-los não pode ser dela”, explica.
A professora do CCL deu um exemplo básico, mas didático: apesar de cada vez ter mais homens responsáveis pelo churrasco e limpeza da pia e menos pessoas ousem dizer “lugar de mulher é na cozinha”, ainda existe a ideia de que a responsabilidade central pelo funcionamento (satisfatório ou não) da casa e da família é da mulher.
“Se a casa onde se fez o tal churrasco ficou ‘bagunçada’, com certeza se entende que o que faltou foi a mulher pôr ordem nas coisas. Assim, a cobrança de tal ‘luta’ feita à mulher vai continuar sendo sempre — e paradoxalmente — mais uma ‘carga’ que se joga sobre ela, representando um recadinho como este: oi, mulher, além de toda a ‘carga’ que você já tem por ser mulher, assuma mais essa de ‘lutar’ por ‘representatividade’ no seu território de formação e atuação”, aponta Maria Helena.
De conquista em conquista, portas são abertas
Para Cecília, realizar pesquisa no nosso país é um obstáculo enfrentado diariamente, já que os investimentos públicos em Ciência e tecnologia são muito baixos e cada vez mais escassos. De acordo com o estudo da economista Fernanda de Negri, publicado no site do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), os investimentos do setor retrocederam uma década. Para se ter uma ideia, o Governo Federal investiu, no ano de 2020, o total de R$17,2 bilhões, enquanto em 2009 o valor para o setor, corrigido pela inflação do período, foi de R$19 bilhões. As verbas seguem sendo reduzidas desde 2015.
“Além disso, temos os desafios diários de ocupar espaços de pequena representatividade feminina. A carreira científica é permeada de pequenas conquistas que nos trazem muita satisfação”, conta Cecília, que citou a obtenção de seu título de doutora em Química. “É uma grande honra ter recebido a nomeação do jornal inglês Nanoscale, da Royal Society of Chemistry, de pesquisador emergente que pode influenciar as diretrizes da nanociência no futuro, no ano de 2021. Isso traz uma grande responsabilidade, comprometimento e me impulsiona a realizar uma Ciência de impacto, que contribua com o meu de campo de trabalho e que possa ser transferida para nossa sociedade”, completa.
Fora a profissão, a sociedade cria uma expectativa em cima da figura feminina, assim, a mulher, na maioria dos casos, tem de lidar com as suas múltiplas funções. Adriana encarou a maternidade enquanto realizava sua pesquisa. “Minha primeira filha nasceu no final do mestrado em Astronomia na USP e minha segunda filha, quatro anos depois, no meio do doutorado em Astronomia na Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA). Este malabarismo entre cuidar das minhas filhas ao mesmo tempo em que encarava as disciplinas, idas a telescópios e congressos foi um grande desafio”, conta.
Adriana Valio tem 20 anos de carreira e muitas conquistas, tais como: o convite para fazer parte do time de cientistas do satélite PLATO (Agência Espacial Europeia), a ser lançado em 2026, para buscar por novos mundos; a homenagem da Sessão Mulheres nas Geociências e Astronomia, da Sociedade Brasileira de Geofísica Espacial e Aeronomia (SBGEA), em 2021; e uma conquista de sua doutoranda mackenzista, Raissa Estrela, vencedora do prêmio de melhor tese de 2020 da International Astronomical Union.
A área de Humanas, mais especificamente Letras, sempre teve maior contingente de mulheres. “Entretanto, também é verdade que nos postos mais destacados, mais especificamente nas propostas científicas, sempre tiveram, historicamente, mais homens”, aponta Maria Helena. A pesquisadora conta que na década de 1970, em sua Graduação, os professores que haviam alcançado maior destaque eram, em geral, homens, e na Pós-Graduação isso se repetiu.
Dois grandes projetos citados pela professora ‘Gramática do português falado’ e ‘Dicionários de usos do Português’, foram conduzidos por professores homens, mas com uma equipe majoritariamente feminina. Sobre o segundo projeto, a professora esclareceu: “A maioria absoluta de coautores dos dicionários foram mulheres (eu, inclusive). Em outro contraponto, porém, aponte-se que o Projeto que levou a um Dicionário grego-português (único existente) teve tanto a coordenação quanto a coautoria apenas de mulheres: minha professora de Grego na Graduação, eu e uma orientanda minha. Meu resumo é este: o que se vê, nos postos ocupados por mulheres, é um grande destaque da operosidade que as distingue. Aliás, esse é o caminho mais legítimo para se alcançar representatividade”, assinala.
Inspiração para futuras cientistas
A pesquisadora e professora Cecília define a Ciência como uma grande paixão e enxerga resiliência, dedicação, comprometimento e curiosidade científica como características importantes para uma cientista. “Até alcançar o resultado esperado de uma pesquisa, existe um trabalho extenso, que envolve falhas. Assim, ter esta capacidade de persistir perante as adversidades é um traço de todos os pesquisadores”, defende.
A vencedora do Prêmio Ester Sabino deste ano aproveitou para reiterar a importância dos professores na trajetória de pesquisa. “Observem, guardem e agradeçam a boa imagem e os bons exemplos dos bons mestres que tiveram e tiverem, assumindo que muito do que conseguirem deverão a eles: garanto a vocês que devo muito a muitos dos meus mestres. Esse é suporte fundamental para um caminho de crescimento conscientemente sustentado”, diz.
Cecília aproveitou para passar um recado. “Deixo aqui a fala da professora Mildred Dresselhau, do MIT, dos Estados Unidos. Ela nos deixou no ano de 2017, foi uma grande cientista na área de nanomateriais de carbono e ficou conhecida como Rainha do Carbono: ‘Siga seus interesses, obtenha a melhor educação e treinamento disponíveis, defina suas metas, seja persistente, seja flexível, mantenha suas opções abertas, aceite ajuda quando oferecida e esteja preparado para ajudar os outros’, finaliza.
Sobre o Instituto Presbiteriano Mackenzie
É uma instituição educacional privada, confessional e sem fins lucrativos. Desde sua fundação, a Instituição é agente de uma série de inovações pedagógicas enquanto acompanha e influencia o cenário da educação no país. Um de seus principais objetivos é formar cidadãos com capacidade de discernimento, com critérios e condições para fazer a leitura do mundo em que vivem, a partir de valores e princípios eternos, e que sejam aptos a intervir na sociedade.
Ao longo de sua existência, implantou cursos com o objetivo de abranger novas áreas do conhecimento e acompanhar o progresso da sociedade com intensa participação comunitária. Tornou-se reconhecido pela tradição, pioneirismo e inovação na educação, o que permitiu alcançar o posto de uma das mais renomadas instituições de ensino, entre as que mais contribuem para o desenvolvimento científico e acadêmico do País. Como entidade confessional, promove o desenvolvimento de cidadãos que sejam solidários, responsáveis e busquem a Deus em seus caminhos.
O Instituto Presbiteriano Mackenzie (IPM) é a entidade mantenedora e responsável pela gestão administrativa da Universidade Presbiteriana Mackenzie nos campus São Paulo, Alphaville e Campinas, das Faculdades Presbiterianas Mackenzie em três cidades do País: Brasília (DF), Curitiba (PR) e Rio de Janeiro (RJ), bem como das unidades dos Colégios Presbiterianos Mackenzie de educação básica em São Paulo, Tamboré (em Barueri – SP), Brasília (DF) e Palmas (TO). Além do Hospital Universitário Evangélico Mackenzie Paraná (Curitiba), que presta mais de 90% de seu atendimento a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) e integra o campo de estágios da Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná (FEMPAR).
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