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Primeira exposição de Zanele Muholi no Brasil inaugura no IMS

 

IMS Paulista apresenta primeira exposição individual de Zanele Muholi no Brasil, com obras que celebram a beleza da comunidade negra LGBTQIAPN+
A retrospectiva abre no dia 22 de fevereiro, com a presença de Zanele Muholi. São exibidas mais de 100 obras concebidas desde os anos 2000 até hoje, incluindo trabalhos inéditos produzidos recentemente no Brasil. A mostra traça um panorama da produção de Muholi, cuja obra funde arte e ativismo em prol de sua comunidade.

Zanele Muholi se identifica como uma pessoa não binária. Nos textos sobre a exposição, o IMS adota as linguagens neutra e inclusiva.

 

Bester I, Mayotte, 2015 © Zanele Muholi, cortesia Yancey Richardson, Nova York.
“Eu uso a fotografia para confrontar e curar, por isso me denomino ativista visual”. Desta forma, Zanele Muholi (1972, Umlazi, África do Sul) descreve sua trajetória, em que arte e política são inseparáveis. Um dos principais nomes da arte contemporânea, seu trabalho pode ser visto, a partir de 22 de fevereiro (sábado), na retrospectiva Beleza valente, primeira individual de Muholi no Brasil, exibida no IMS Paulista (Av. Paulista, 2424).

Com curadoria de Daniele Queiroz, Thyago Nogueira e Ana Paula Vitorio, a mostra traça um panorama da carreira de Muholi, com obras que documentam e celebram a comunidade negra LGBTQIAPN+ na África do Sul e no mundo.
Muholi estará presente na programação do dia de abertura (22/2): às 15h, participa de uma conversa com o público, acompanhada pela equipe curatorial, e, às 17h, de uma sessão de autógrafos do catálogo da retrospectiva, lançado na ocasião.

Todos os eventos são gratuitos (confira mais detalhes sobre a programação e o catálogo no serviço).

Muholi nasceu em 1972, em Umlazi, Durban, durante o regime do apartheid na África do Sul. O fim do apartheid e a nova Constituição, implementada por Nelson Mandela em 1996 – que proibiu a discriminação racial, sexual e de gênero –, não foram suficientes para deter o racismo, o preconceito e os crimes de ódio. A fim de lutar contra essa realidade, Muholi estudou fotografia e passou a fazer reportagens que expunham episódios de violência. Em 2004, seu trabalho ganhou atenção nacional. Com o passar do tempo, trocou as fotografias de denúncia por retratos e autorretratos, criando um vasto arquivo de imagens que confrontam e subvertem os olhares e narrativas coloniais.

 

A exposição reúne mais de 100 obras, produzidas ao longo de sua carreira, de 2002 até hoje. O conjunto inclui fotografias, vídeos e pinturas, além da escultura de bronze A portadora das águas (Mmotshola Metsi), de 2023. São apresentadas suas principais séries, como Faces e fases (Faces and Phases), Somnyama Ngonyama e Bravas belezas (Brave Beauties). A mostra traz também obras inéditas feitas no Brasil em 2024, quando Muholi veio a São Paulo para participar do Festival ZUM e conheceu organizações e instituições LGBTQIAPN+, num diálogo entre a história da luta por direitos no seu país e no contexto brasileiro.

 

Tudo o que eu quero ver é apenas a beleza. E beleza não significa que você tenha que sorrir, mostrar os dentes ou se esforçar mais. Basta existir”, afirma Muholi. O título da retrospectiva − Beleza valente − evidencia que, na obra de Muholi, a beleza é uma forma de luta e afirmação em oposição à violência contra pessoas negras LGBTQIAPN+. Também sobre essa característica central do trabalho, a curadoria comenta: “Identificada como uma pessoa de gênero não binário, Muholi constrói fotografias que desmontam os padrões de masculino e feminino em busca de liberdade e fluidez. Seu trabalho valoriza a beleza comum, cotidiana e comunitária, transformada em experiência extraordinária. Sua luta por justiça e dignidade engrandece todas as pessoas.” 

Apinda Mpako e Ayanda Magudulela, Parktown, Joanesburgo, África do Sul, 2007 © Zanele Muholi, cortesia Yancey Richardson, Nova York.
Muitas das séries de Muholi são fruto de um envolvimento com as pessoas fotografadas, buscando retratá-las com suas roupas e poses preferidas, em situações que valorizem sua imagem e aparência. Muholi evita o olhar objetificante, que marca grande parte da história da fotografia, em especial o registro de pessoas negras. Com isso, cria um grande álbum dessa família escolhida, um arquivo de fotografias de pessoas que historicamente foram excluídas das representações oficiais.

 

A formação desse conjunto de registros, da documentação da história de sua comunidade, é essencial na atuação de Muholi, pontua Daniele Queiroz: “Muholi ainda luta diariamente pelo reconhecimento desse sólido arquivo da comunidade negra e LGBTQIAPN+ e da relevância de fazê-lo perdurar na história, por meio de fotografias, exposições e publicações. Nomear e arquivar se tornam maneiras de sobreviver à morte física e, não menos importante, resistir à morte simbólica, psicológica e intelectual que o sistema patriarcal branco e heterossexual tenta insistentemente imputar à comunidade.”

 

Exibida no 6º andar do IMS, a mostra pode ser percorrida por diferentes caminhos. Na entrada, o público se depara com uma imagem ampliada de Somnyama Ngonyama, uma das principais séries de Muholi, iniciada em 2012 e ainda em construção. Em autorretratos tirados em diversas cidades do mundo, Muholi aparece usando objetos rotineiros, como cobertores, almofadas e cinzeiros, que remetem a contextos sociais e políticos da história sul-africana e dos países por onde passa. Em zulu, língua materna de Muholi, “Ngonyama” significa “leão/leoa”. A palavra também nomeia o clã de sua mãe, Bester, que trabalhou durante toda a vida como empregada doméstica para famílias brancas sul-africanas. No título da série, Muholi saúda sua mãe e sua ancestralidade.

 

Em outra fotografia da série, Muholi veste pneus de bicicleta vazios. Símbolo da resistência negra nas townships sul-africanas, as bicicletas eram um meio de locomoção importante para as populações não brancas durante o apartheid, em razão do transporte público limitado. Nas fotografias, Muholi incorpora personagens distintas, com frequência em posição de encarar quem observa, em imagens que tratam de traumas individuais e coletivos, mas que também criticam a fotografia colonial e positivista, reivindicando e criando novos imaginários, como afirma Ana Paula Vitorio: “Muholi, em cada um desses autorretratos, comunica sarcasmo, raiva, valentia, dor, vulnerabilidade, questionamento e muitas outras coisas. Essa é uma interpretação que pode variar de acordo com a imagem, com as circunstâncias e com quem observa cada uma dessas fotografias. Algo indiscutível, entretanto, é que, em todos esses casos, e em dezenas de outros da série, Muholi nos olha nos olhos e sustenta esse olhar.”

Somnyama Ngonyama traz agora fotos feitas por Muholi durante sua residência artística em São Paulo, exibidas pela primeira vez nesta retrospectiva. Outros trabalhos consagrados, as séries Bravas belezas (Brave Beauties) e Faces e fases (Faces and Fases) também incluem fotografias feitas no Brasil. Em Bravas belezas, iniciada em 2013, Muholi criou um contraponto aos concursos tradicionais de beleza feminina, fotografando participantes do concurso Miss Gay RSA. A série se expandiu e inclui dezenas de retratos posados, muitos deles em preto e branco. Exibindo o corpo inteiro, ou meio corpo, as pessoas participantes são convidadas a posar da maneira como se veem mais bonitas.

 

O mesmo processo, de convidar cada participante a escolher a forma como deseja aparecer nas fotografias, orienta a série Faces e fases (Faces and Fases), a mais conhecida de Muholi, iniciada em 2006 e também em construção. O projeto reúne centenas de retratos de pessoas negras lésbicas, não binárias e transgêneros masculinos, construindo um recorte específico dentro da própria comunidade. As faces são a imagem que cada participante deseja produzir de si, muitas vezes em várias fotografias feitas ao longo de anos; as fases registram o transcorrer do tempo.

 

Muholi iniciou Faces e fases para construir um arquivo da comunidade LGBTQIAPN+ sul-africana, registrando também suas próprias faces e fases. “Repetidas ao longo dos anos, suas fotografias também permitem narrar as transformações individuais e os processos de afirmação de gênero de cada indivíduo, construindo a memória pessoal com a qual pavimenta a história coletiva. Cada retrato é o elo de uma corrente, mais sólida e articulada que a soma individual das partes”, afirma Thyago Nogueira.

Miss Lésbica VII, Amsterdã, Países Baixos, 2009 © Zanele Muholi, cortesia Yancey Richardson. Nova York,
Na retrospectiva, o público encontra também trabalhos do início da carreira de Muholi, como Apenas meio quadro (Only Half the Picture), série realizada de 2002 a 2006, que documenta pessoas que sofreram violência de gênero ou racial, como agressões e estupros “corretivos”. Nos registros, Muholi fotografa as vítimas com afeto e delicadeza; o enquadramento expõe as cicatrizes, mas protege as identidades. Também produzida no começo da carreira, a série Ser (Being), registra casais de mulheres lésbicas negras sul-africanas em espaços privados, compartilhando momentos de intimidade.

A exposição traz ainda trabalhos como Miss Lésbica (Miss Lesbian), em que Muholi encena sua participação em um concurso de beleza, e Beulahs (Bonitas), com retratos coloridos. Também é exibida uma cronologia da vida de Muholi, da luta por direitos na África do Sul, da história do movimento LGBTQIAPN+ no Brasil, produzida pelo Museu da Diversidade Sexual, além de um documentário dirigido por Muholi, entrevistas e livros.

 

Em cartaz até 23 de junho, a exposição contará com uma ampla programação de eventos. Ao visitar a mostra, o público é convidado a se aproximar da obra de Muholi, de sua comunidade e resistência, como enfatiza em suas próprias palavras: “Quero projetar publicamente, sem vergonha, que somos indivíduos ousados, negros, belos e orgulhosos”.

Mais sobre Zanele Muholi
Zanele Muholi (Umlazi, África do Sul, 1972) é artista e ativista visual. Publicou os livros Faces and Phases (2014), Somnyama Ngonyama, v. 1 e 2 (2018/2024), entre outros. Fundou Inkanyso, um portal de mídia visual queer. Participou da Documenta 13 (2012), em Kassel, da 55ª Bienal de Veneza (2013) e da 29ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo (2010). Em 2016, foi capa da ZUM #11, revista de fotografia do IMS.
Sobre o catálogo

Por ocasião da retrospectiva, o IMS lança o catálogo Zanele Muholi: Beleza valente. Com 256 páginas, a publicação traz todas as obras de Muholi apresentadas na mostra, textos da equipe de curadoria, das professoras Bárbara Copque e M. Neelika Jayawardane, um conto da artista Castiel Vitorino Brasieiro, um poema do escritor floresta, e depoimentos de Busi Sigasa e All Ice, pessoas registradas por Muholi na série Faces e fases, além de um extensa cronologia construída em parceria com o Museu da Diversidade Sexual. O livro estará à venda na unidade da Livraria da Travessa do IMS Paulista, e na loja online do IMS.
*Todas as citações de Zanele Muholi mencionadas no release estão referenciadas no catálogo da exposição.

Serviço da exposição

Zanele Muholi: Beleza valente

Abertura: 22 de fevereiro, às 10h

Visitação: até 23 de junho. 6º andar do IMS Paulista | Entrada gratuita

A exposição conta com recursos de acessibilidade, como pranchas táteis, audiodescrição e legendas

 

Conversa com Zanele Muholi e a equipe curatorial

22 de fevereiro, das 15h às 16h30

Cinema do IMS Paulista
Entrada gratuita, com distribuição de senhas a partir das 14h. Limite de 1 senha por pessoa.

 

Lançamento do catálogo da exposição e sessão de autógrafos
22 de fevereiro, das 17h às 18h30

Entrada gratuita

IMS Paulista | Avenida Paulista, 2424, São Paulo. Tel.: 11 2842-9120.

Horário de funcionamento: Terça a domingo e feriados (exceto segundas), das 10h às 20h.


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