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Há muito de brasileiro no documentário brasileiro

Hugo Harris
A celebração do Dia Nacional do Documentário Brasileiro, em 07 de agosto, não deve ocorrer apenas mencionando números ou premiações. Bilheteria e reconhecimento crítico são certamente importantes para a sustentação da produção fílmica, porém não devem ser os únicos norteadores e, muito menos, parâmetro de qualidade.
Este texto tem como objetivo prestar um rápido elogio à nossa produção documental, pois esta fervilha, alimentada pela inquietação dos realizadores brasileiros, imersos em nossa realidade massacrante em tantos aspectos, num país continental e culturalmente múltiplo.
Não há pretensão de se fazer uma revisão crítica a respeito de nossos documentários. Para isso, sugiro a leitura de tantos e tantos professores e professoras que estudaram nossa produção com muita qualidade, eficiência e dedicação. Pesquisadores como Fernão Pessoa Ramos, Jean-Claude Bernardet, Consuelo Lins, Francisco Elinaldo Teixeira, Amir Labaki, Maria Dora Mourão e tantos outros e outras (perdoem-me aqueles que não foram mencionados) imprimiram em seus textos análises profundas sobre o “fazer documentário”, que é tão variado, instigante e essencial para nossa cultura. Assim, quando se fala de documentário brasileiro, sempre lembramos dos cineastas que produzem, mas também devemos salientar o papel dos pesquisadores que estudam e servem de referência para esses que produzem e produzirão. Num país em crise na área de pesquisa, isso sempre deve ser reforçado.
Tenho uma opinião que certamente encontrará resistência. Mas é apenas uma opinião. Para mim, a produção documental brasileira é muito mais expressiva que a ficcional. Não se trata de se colocar esta última como ruim. Muito longe disso. A questão é que nossos documentários são tradicionalmente muito bons! Pode-se remeter à produção de Humberto Mauro na época do Ince (Instituto Nacional do Cinema Educativo), tão inspiradora para cineastas que se formavam à época, mas a grande consistência mesmo se deu a partir do final dos anos 1950, quando as primeiras fagulhas do Cinema Novo estalavam e ergueu-se o desejo de falar sobre nosso povo de forma desmistificadora e mais realista.
São muitos os que poderiam ser mencionados dentro da filmografia documentária brasileira. Temos nomes clássicos como o mencionado Humberto Mauro, além de Linduarte Noronha, Paulo Cezar Saraceni, Glauber Rocha, Leon Hirszman, Arnaldo Jabor, Geraldo Sarno e Vladimir Carvalho. Mas podemos vir para o presente e falar de João Moreira Salles, Maria Augusta Ramos, Petra Costa, Gabriel Mascaro, Eliza Capai e Luis Bolognesi. Sem falar no maior de todos, que é Eduardo Coutinho, autor daquele que, na minha modesta opinião, realizou o maior filme do cinema brasileiro, independentemente do formato: “Cabra marcado para morrer”.
Os temas tratados nos documentários brasileiros variam na mesma proporção que as situações variam por nosso país: cidade e campo são tratados, bem como povos ancestrais e os dilemas dos cidadãos da metrópole. Política, educação, cultura, história, afetos… tudo é assunto para nossos documentaristas. Porém, cabe uma advertência: são todos muito criativos e conhecedores de seu ofício e buscam tratar temas e personagens de formas variadas, não apenas naquele modelo tradicional que convencionamos “entender” como documentário. São filmes intimistas, confessionais, panfletários, opinativos, informativos, sem a necessidade daquela neutralidade que o jornalismo convencionalmente busca: são produtos com viés estético e que fazem um “tratamento da realidade”, como bem disse o escocês John Grierson, nos idos de 1930.
Basta frequentar uma das edições do fundamental Festival É Tudo Verdade, fundado e dirigido por Amir Labaki, que a multiplicidade de possibilidades de abordagem de um documentário salta a nossos olhos. Isso ocorre no mundo todo, e no Brasil não é nada diferente. Esses filmes precisam ser assistidos, seja nos cinemas, seja no streaming ou na televisão. Documentário é algo que denuncia, discute, valoriza ou explora, e o público precisa ter acesso a ele. Assistam a documentários, em especial aos brasileiros, não celebre por um dia — celebre o ano inteiro.
Hugo Harris é cineasta e jornalista, professor e coordenador no curso de Jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). É doutor em Letras, com a tese “Elementos constitutivos do documentário ‘Elena’, de Petra Costa”. Leciona disciplinas de Crítica Cinematográfica, Documentário, Produção Audiovisual, Teorias do Jornalismo, entre outras. Também é colecionador de filmes, com uma filmoteca com aproximadamente 7.000 títulos, e cofundador do podcast “Cinefilia & Companhia”.

 

Sobre a Universidade Presbiteriana Mackenzie

 

A Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) está na 71a posição entre as melhores instituições de ensino da América Latina, segundo a pesquisa Times Higher Education 2021, uma organização internacional de pesquisa educacional, que avalia o desempenho de instituições de ensino médio, superior e pós-graduação. Comemorando 70 anos, a UPM possui três campi no estado de São Paulo, em Higienópolis, Alphaville e Campinas. Os cursos oferecidos pelo Mackenzie contemplam Graduação, Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado, Pós-Graduação Especialização, Extensão, EaD, Cursos In Company e Centro de Línguas Estrangeiras.


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