Radicado em Cabo Frio (RJ), escritor, editor e fundador da Sophia Editora estreia com obra que reflete sobre emoções e vivências humanas a partir das mudanças cenográficas da Região dos Lagos
“As imagens de Rodrigo não têm obrigação com nitidez, pois são elas, também, banhadas pelo líquido que as leva à vista. Vista essa que, marejada, antecede o processo de criação: o autor as vê banhadas e as conduz a um novo destino ondulado.”
Trecho do prefácio da escritora Júlia Vita
“Refinaria” (120 págs.), estreia literária do jornalista e editor fluminense Rodrigo Cabral (@rodrigocabral000), é composto por poemas que tentam apreender o processo de transformação da paisagem geográfica da Região dos Lagos (RJ) e da própria memória. A obra, publicada pela Sophia Editora (@sophiaeditora), conta com ilustrações do artista visual Rapha Ferreira, orelha assinada pelo escritor Thiago Freitas e o prefácio é da autoria da editora e escritora Júlia Vita, que também trabalhou na edição do livro.
No dia 17 de novembro, domingo, o autor realiza um lançamento na cidade de São Paulo, durante o Festival Mário de Andrade, na tenda da Borboleta Azul e Ciclo Contínuo, às 14h. Está programado um bate-papo com Rodrigo Cabral e a leitura de poemas. A edição deste ano do Festival Mário de Andrade celebra os 100 anos do primeiro “Manifesto Surrealista”, de André Breton, que norteia toda a programação, nos dias 15, 16 e 17 de novembro.
Na obra, a poesia é utilizada como ferramenta para explorar cenários em constante mutação, retratando, a partir de uma linguagem poética original, a relação do autor com o espaço onde cresceu, no estado do Rio de Janeiro: Cabo Frio, uma das cidades banhadas pela Laguna de Araruama, a maior do mundo em hipersalinidade permanente.
“Ouvi o que esses cenários diziam sobre minhas memórias, sempre borradas e fragmentadas”, comenta. “Refinaria” se trata dos processos contínuos de transformação e refino, tanto no território como na própria vida e no ato de escrever. Segundo o autor, no poema isso se transforma em outro espaço, em outro tempo. E o texto é reescrito de acordo com as percepções de quem lê. Ele reflete: “O que me moveu, primeiro, foi me reconhecer como um poeta da restinga. Ou um poeta da orla, como escreve a Júlia Vita no prefácio.”
A figueira centenária da rua da infância de Rodrigo Cabral,, por exemplo, torna-se inspiração porque é um dos poucos elementos que permanecem em meio ao que se transforma. Os poemas se movem entre temas como a relação do autor com o pai, a paisagem local e as dinâmicas internas da memória. “O livro também trata da própria escrita, ao texto constantemente revisto, refeito e relido, em um processo contínuo de busca por significado”, revela o escritor.
A tentativa de apreender o que está lá fora é um dos cernes da obra, mas isso não significa tentar captar a realidade exatamente como ela é. A proposta de Rodrigo é ir muito além disso. Sua intenção não é buscar compreender, tampouco simplesmente decifrar, mas, sim, contemplar os processos de transformação de um território, de um indivíduo, de uma escrita. “Quero analisar com a ponta dos dedos aquilo que não evapora, aquilo que permanece”, reflete.
Os versos do livro equilibram a linguagem regional com uma universalidade poética, permitindo que os leitores encontrem pontos de conexão tanto com o cenário local quanto com as emoções e vivências humanas. Além disso, a obra faz referência à formação geológica da camada pré-sal e traça paralelos com a história da cana-de-açúcar em Campos dos Goytacazes, cidade natal do autor.
Rodrigo Cabral registra a refinaria
Rodrigo Cabral, 34 anos, nasceu em Campos dos Goytacazes (RJ) e cresceu em Cabo Frio (RJ), onde fundou a Sophia Editora. Sua escrita é fortemente influenciada pelas paisagens da Região dos Lagos e pelas memórias de infância, temas centrais de sua obra poética.
Em 2024, Rodrigo foi segundo colocado no Prêmio Off Flip de Literatura na categoria Contos e finalista na categoria Poesia. No ano anterior, conquistou o terceiro lugar no Festival de Poesia de Lisboa e, em 2022, foi também finalista do Prêmio Off Flip na categoria Poesia. Como editor, tem se dedicado a preservar e divulgar a história, a memória e o patrimônio cultural da região. “Refinaria” é seu primeiro livro publicado.
Sua principal referência para a escrita de sua obra de estreia foi “Água-mãe”, livro do escritor paraibano José Lins do Rego, o primeiro romance do autor a ser ambientado fora da região Nordeste. “O escritor narra as paisagens daquela Cabo Frio com imagens arrebatadora, que envolvem as casuarinas, a figueira, a fantasmagórica casa azul, as barcaças de sal deslizando pela água e a Lagoa de Araruama, muitas vezes referenciada apenas como Araruama, espécie de entidade”, enumera.
Além dele, destacam-se Olga Savary e Victorino Carriço, autores das duas epígrafes presentes no livro, e influência indireta de leituras de autores como Roberto Piva, Claudio Willer, Lawrence Ferlinghetti, Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Marcelino Freire, Ricardo Aleixo, Ana Martins Marques, Ferreira Gullar e Carlos Drummond de Andrade.
Perguntado sobre projetos futuros, Rodrigo disse que pretende continuar a atividade de refinaria que deu origem à sua primeira publicação: “ Meu desejo é escrever.”
Confira um trecho do livro:
“a pulsação d’água
contrai e expande
o que a palavra refina
nos batimentos
das remingtons
debulhando botões
verdejando espasmos
na restinga das paráfrases
dos átrios e ventrículos
para os vasos de alta salinidade
onde ovos chocam
onde vogais e camarões
ruborizam
onde aspas rebentam
no íntimo dos glóbulos
n’aorta das sílabas
enquanto o hífen-cateter
da célula-mater
mantém o ritmo da criação
em gênese: arritmia”
Adquira “refinaria” no site da Sophia Editora:
https://www.sophiaeditora.com.