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Difteria ou episódio literário?

Poucas pinturas na história da arte despertam tanto debate se são referentes a tema médico como a obra chamada ‘Difteria’, de Francisco Goya, da Coleção de Carmen Marañón. Nela, um homem de meia-idade utiliza os dedos indicador e médio de sua mão direita para pressionar a língua de um menino que está em pé entre as suas pernas.

Costuma-se interpretar a obra como uma ação de combate à difteria, infecção grave do nariz e da garganta na qual uma camada de matéria cinzenta espessa cobre a parte de trás da garganta, dificultando a respiração. A ação do adulto seria uma maneira de tentar retirar esse incômodo da criança.

Na edição 40 (1997) do International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology, porém, pesquisadores apontam que a obra, que aparece em vários livros sobre a história da medicina e catálogos de arte como ‘Curacion de1 Garrotillo’ (‘Tratamento de Difteria’) recebeu esse título de seu proprietário, o médico espanhol chamado Gregorio Marañón.

O tratamento na época era a cauterização das estruturas faringeanas inchadas devido à doença, que levava ao sufocamento. Não há sinais que isso esteja acontecendo. Os autores mostram que o quadro originalmente intitulava-se ‘El Lazarillo de Tormes’, título de um romance espanhol anónimo do século XVI.

A pintura parece se referir a um capítulo do livro, em que um cego deu ao protagonista uma salsicha para grelhar na lareira. Faminto, ele engoliu o alimento e colocou um nabo no fogo. O cego, desconfiado, colocou os dedos na boca do menino para cheirar os traços do alimento.

Nessa linha de raciocínio, os pesquisadores Grymer e Pirsig, propõem um subtítulo ao quadro: “Um teste de cheiro”. E, agora, qual dessas dimensões corresponde ao pensamento original do pintor? O fato é que a obra possui aquela expressividade característica do mestre espanhol, mestre em captar as mais densas emoções humanas.

Oscar D’Ambrosio é jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.


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