Mirtes de Moraes
A Semana de Arte Moderna aconteceu em São Paulo, no Teatro Municipal, ao longo dos dias 13 a 18 de fevereiro de 1922, e contou com várias formas de apresentações musicais e conferências que se intercalavam com exposições de pintura, arquitetura e escultura.
A Semana de Arte Moderna é considerada como ponto de referência para a entrada do modernismo no Brasil. E por que isso é importante?
Como contexto histórico, se observa que o início do século XX foi marcado por inúmeras mudanças, e uma delas teve uma forte repercussão no mundo, a Primeira Guerra Mundial. A arte como forma de expressão reflete esse momento de inseguranças e incertezas, concretizando no nascimento das vanguardas, como o cubismo, expressionismo e o movimento dadaísta, que buscam sentidos diferentes traduzidos por novas formas e cores, não se busca mais o que se vê, mas sim o que se sente, ou seja, a arte acompanha o contexto histórico num tempo de rupturas.
O Brasil centrava-se numa arte mais academicista, o Parnasianismo havia sido a tendência estética dominante até então, figurado em textos oficiais; se propunha voltar para a estética clássica, romper o excesso de sentimentos e defendiam a expressão “arte pela arte”, que significa a arte como devoção, fazendo com que a arte se direcionasse apenas à imagem e não à ideia, ao pensamento. Dessa forma, o movimento parnasiano consistia numa ordem inversa das vanguardas, sendo representado como conservador.
Por outro lado, o Brasil começa a entrar no âmbito propriamente dito como moderno, devido ao nascimento das fábricas e pela produção cafeeira. Essa força agroexportadora transforma o estado de São Paulo em novo centro econômico brasileiro. Embora a cidade do Rio de Janeiro fosse considerada a força política do país, pois era a capital do Brasil, São Paulo se posiciona como força econômica, símbolo da modernidade e do progresso. Sendo assim, a capital paulista foi o palco dos eventos da Semana de Arte Moderna, que contou com o patrocínio de diversos membros da burguesia industrial que ali se consolidava.
1922 também marca o Centenário da Independência do Brasil. Cabe um pequeno parêntese para observar que não houve uma mudança muito relevante com a independência, porque o rei continuou governando com o apoio da elite colonial. Assim, juntando os cenários econômicos e políticos, a Semana de Arte Moderna foi pensada como uma forma de ruptura, de renovação artística nacional. Aos olhos dos modernistas, o Brasil que se transformava e se modernizava, precisava de um novo olhar artístico, sociocultural e filosófico que propusesse uma arte nacional original e atualizada, trazendo consigo um pensamento a respeito dos problemas brasileiros. O Brasil passava por anos de exploração colonial, pela exploração do trabalho escravo com técnicas arcaicas. A arte moderna se instaura nesse paradigma de pensar os contrastes do Brasil e por isso se fez tão polêmica, porque cutucava a ferida e status quo de muita gente. E o mais interessante é que já se passaram cem anos e a Semana de Arte Moderna ainda nos traz inquietações, nos motivando a pensar e criar um país com menos desigualdades.
Um pouco da semana:
Entre os dias 11 e 18 de fevereiro, o Teatro Municipal de São Paulo permaneceu aberto para visitação. Em seu saguão, instalou-se uma exposição de pintura e escultura. Além da exposição, o evento contou com três festivais que envolviam apresentações de música, dança, declamações de poesia e conferências, que aconteceram nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro.
Graça Aranha realizou a abertura do festival no dia 13, com a conferência intitulada “A emoção estética da arte moderna”. Ainda no dia 13, o poeta Ronald de Carvalho fez uma apresentação com o nome “A pintura e a escultura moderna no Brasil”, seguida de três solos de piano de Ernani Braga e três danças africanas de Villa-Lobos.
O dia 15 de fevereiro representou o dia mais polêmico. Destacam-se a palestra de Mario de Andrade e a apresentação de Paulo Menotti del Picchia, que provocou vaias da plateia no Teatro Municipal.
Também nesse dia houve um sarau, que contou com a participação de diversos escritores, que tentavam falar no meio da gritaria da plateia. Nesse dia, Ronald de Carvalho leu o famoso poema “Os Sapos”, de autoria de Manuel Bandeira, que ridicularizava os parnasianos.
Ainda como palco de críticas e vaias, Mario de Andrade pronunciou também uma breve palestra na escadaria interna do Teatro sobre as obras de pintura. A plateia só se acalmou com as apresentações de dança de Yvonne Daumerie e o concerto de piano de Guiomar Novais, encerrando o dia.
O evento de encerramento da Semana foi dedicado à música. Peças de Villa-Lobos foram executadas pelos diversos músicos participantes, com menos vaias, mas com muitas críticas dos conservadores.
Mirtes de Moraes é historiadora e professora do curso de Publicidade e Jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).
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