Uma adaptação a partir da obra Luigi Pirandello e Aimé Césaire para pensarmos o racismo estrutural e as disputas por visibilidade no Brasil contemporâneo.

Foto: Marcelle Cerutti
Segue em temporada até domingo, 07 de dezembro, no Sesc Vila Mariana, o espetáculo “As Armas Milagrosas: seis personagens à procura da existência”, uma adaptação dramatúrgica que articula o metateatro de Luigi Pirandello e a poética anticolonial de Aimé Césaire para criar uma metaficção e discutir o racismo estrutural e suas formas de representação no Brasil contemporâneo.
Durante o ensaio de uma comédia de Pirandello, um grupo de funcionários negros do teatro interrompe a cena e reivindica o direito de narrar a própria história. A partir desse gesto, o espetáculo transforma o palco em campo simbólico de disputa entre personagens/personas brancos e negros, visibilidade e apagamento, representação e existência.
Idealizado e dirigido por Anderson Negreiro e pela diretora colombiana Daniela Manrique, o projeto reúne autores de contextos distintos, mas atravessados por uma mesma questão: o direito à existência e à autoria. A ideia surgiu em 2021, quando o diretor trabalhou com o texto “E os cães se calavam”, tragédia de Aimé Césaire presente na coletânea de poemas “As Armas Milagrosas”. O contato com a obra do autor martinicano, um dos fundadores do movimento da negritude, foi revisitado posteriormente, a partir da releitura do clássico “Seis Personagens à Procura de um Autor”, de Luigi Pirandello.
“Percebi que aquelas personagens que entram pela coxia em busca de um autor, reivindicando a continuidade da própria existência, poderiam ser corpos reais — personagens da branquitude que, mais do que personagens ficcionais, lutam por existir e afirmar sua autoria no mundo”, afirmam os diretores.
Foto: Marcelle Cerutti
Na nova dramaturgia, o diretor substitui as seis personagens originais do texto de Pirandello por personagens presentes na obra de Césaire — o Rebelde, a Mãe e o Coro — representadas como funcionários de um teatro. Essas figuras deixam de ser personagens ficcionais e passam a ser corpos reais, racializados, que reivindicam o direito de existir e de se expressar por meio da arte.
“Pensando nisso, me veio a ideia de trabalhar com conceitos presentes no livro da Lilia Schwarcz, “Imagens da Branquitude – Presença e ausência”, em que ela analisa como as pessoas negras aparecem nas pinturas ao longo das décadas, sempre à margem, no fundo, em perspectiva e quase desaparecendo, enquanto as figuras brancas estão no centro e com muita luz. A partir disso, percebi que a própria luz poderia ser o dispositivo da encenação”, afirma Anderson Negreiro.
A partir das contribuições de Lilia, “Armas Milagrosas: seis personagens à procura da existência” estrutura-se inteiramente a partir da luz. O desenho de luz, criado por Matheus Brant, organiza o espaço em torno de um cubo central iluminado que separa o centro da margem.
“A luz é a dramaturgia que revela a separação dos corpos. É por meio dela que a gente torna visível uma estrutura que normalmente não se vê — o racismo que organiza quem está no centro e quem fica à margem”, afirma Anderson Negreiro.
No interior do cubo estão o Primeiro Ator e a Primeira Atriz, representações alegóricas da branquitude. À margem, permanecem os funcionários negros do teatro — inspirados nas personagens de Césaire — que operam o espaço e tentam atravessar a fronteira luminosa.
Sem cenário fixo, a montagem utiliza um carpete e adereços pontuais, de modo que a iluminação se torna o principal elemento visual e narrativo. A peça se constrói como um ensaio interrompido, em que as figuras negras reivindicam sua presença e impõem novas vozes à cena. O resultado é um teatro de conflito e exposição que desloca as hierarquias entre quem é visto e quem é invisibilizado.
Foto: Marcelle Cerutti
Sinopse
A obra “As Armas Milagrosas: seis personagens à procura de existência” fricciona “Seis Personagens à Procura de Autor”, de Luigi Pirandello, e “Os Cães se calavam”, tragédia de Aimé Césaire, para discutir existência, raça e representação. Durante um ensaio teatral, funcionários negros do próprio teatro interrompem a cena e reivindicam o direito de narrar sua história. A partir desse embate, o espetáculo transforma o palco em um espaço de confronto simbólico entre a representação tradicional e a insurgência de novas vozes, culminando em um gesto de ruptura com o olhar colonial.
FICHA TÉCNICA
Idealização, Concepção e Direção geral: Anderson Negreiro | Dramaturgia: Anderson Negreiro | Tradução “As armas milagrosas” e “Os Cães se calavam”: Daniela Manrique | Direção da peça: Daniela Manrique (COLÔMBIA) e Anderson Negreiro (BRASIL) | Assistência de Direção: Letícia Tavares | Elenco: Barroso, Cainã Naira, Caio Silviano, Ciça Barros, Heitor Goldflus, Josy.Anne, Leandro Vieira, Rita Pisano, Sandra Corveloni, Anderson Negreiro | Desenho e Operação de luz: Matheus Brant | Trilha Sonora: Dani Nega | Musicista Criadora: Josy.Annne | Músicos Criadores: Barroso, Caio Silviano e Gabriel Moreira | Preparação Vocal e Arranjo de Voz: Renato Spinosa | Operação de Som e Vídeo: Tomé de Souza | Microfonista: Camila Cruz | Videografia: Vic Von Poser | Figurino: Éder Lopes | Cenografia: Éder Lopes e Anderson Negreiro | Cenotécnico: Rodrigo Cordeiro | Aula aberta: Judson Forlan G. Cabral | Fotografia: Marcelle Cerutti | Designer Gráfico: Jacob Alves | Marketing Digital: Elã Comunicação | Produção: Corpo Rastreado – Letícia Alves | Produção Executiva: Éder Lopes | Assessoria de Imprensa: Rafael Ferro e Pedro Madeira
Serviço
“Armas Milagrosas: seis personagens à procura da existência”
Temporada de 14 de novembro a 07 de dezembro.
Quinta-feira à Sábado, às 20h | Domingo, às 18h.
14 anos | 120 minutos.
Ingressos: R$ 60 (int), R$ 30 (meia) e R$ 18 (credencial plena)
Disponíveis no aplicativo Credencial Sesc SP, pelo Portal Sesc SP e nas bilheterias do Sesc em todo o Estado https://www.sescsp.org.br/programacao/as-armas-milagrosas-seis-personagens-a-procura-de-existencia/
Sessões com ACESSIBILIDADE no domingo, 07/12: audiodescrição e Libras
Estacionamento: 125 vagas – R$ 8,00 a primeira hora + R$ 3,00 a hora adicional (Credencial Plena: trabalhador no comércio de bens, serviços e turismo matriculado no Sesc e dependentes). R$ 17 a primeira hora + R$ 4,00 a hora adicional (outros). Paraciclo: 16 vagas – gratuito (obs.: é necessário a utilização de travas de seguranças). Informações: 5080-3000
Sesc Vila Mariana
iSobre Aimé Césaire
Aimé Césaire, filho de um pequeno funcionário e uma costureira, tendo sido um estudante brilhante na Martinica, Césaire conquistou uma bolsa de estudos no Liceu Louis Le Grand, em Paris. Estudante em Paris, junto a outros estudantes, entre ele Léopold Sédar Senghor, funda o jornal L’Étudiant noir ” (O Estudante negro), no ano de 1934. Nas páginas deste jornal aparece pela primeira vez o conceito de “NEGRITUDE”, formulando dentro da própria França uma crítica à opressão cultural do sistema colonial francês. Criou também a revista PRESENÇA AFRICANA onde publicou DISCURSO SOBRE O COLONIALISMO com dura crítica ao racismo e colonialismo europeu, além de criar o partido “progressista” com o intuito de instaurar o socialismo na Martinica.
Sobre Pirandello
Luigi Pirandello Pirandello nasceu em uma família de classe alta em Agrigento, uma cidade no sul da Sicília. Seu pai, Stefano, pertencia a uma rica família envolvida na extração do enxofre, e sua mãe, Caterina Ricci Gramitto, também tinha uma origem abastada, descendente de uma família da classe profissional burguesa de Agrigento. Em 1924, Pirandello escreveu uma carta a Benito Mussolini pedindo-lhe que fosse aceito como membro do Partido Nacional FASCISTA. Em 1925, Pirandello, com a ajuda de Mussolini, assume a direção artística e, posteriormente, se torna proprietário do Teatro d’Arte di Roma, fundado pelo Gruppo degli Undici. Ele se descreveu como “um fascista porque era italiano”. Em 1934 ele recebeu o Prêmio Nobel de Literatura e deu sua medalha do Prêmio Nobel ao governo de Mussolini para ser derretida para a Campanha fascista. O apoio de Mussolini lhe trouxe fama internacional e uma turnê mundial.
